quarta-feira, janeiro 02, 2008

Aqui jás

Ganhei um relógio de parede, daqueles em que o ponteiro dos segundos se move como nos cronômetros: sem pausas. Ganhei-o de consolo, e é curioso perceber os sinais contidos em cada ato, principalmente os não intencionais.
Às vezes penso que não é normal sentir o peso da própria história aos 27 anos de idade. Será que minha bagagem é realmente grande ou seria minha mochila pequena demais?
Aos 27 já tenho uma dúzia de cicatrizes pelo corpo e já esqueci a origem de, pelo menos, três delas.
Aos 27 já falo da minha infância como se contasse uma história clássica infantil, porque o tempo e a repetição já tornaram os personagens e as frases tão enraizados que o que é memória comum e o que é lembrança própria se confundem.
Aos 27 já cometi inúmeros erros e reincido em vários deles.
Aos 27 já conquistei várias daquelas coisas que a gente só quer para "quando eu crescer".
Aos 27 já morei em tantas cidades que sinto pertencerem às estradas vários pedaços dos meus sonhos.
Aos 27 já acreditei em Deus, já desacreditei e já voltei a acreditar.
Aos 27 já chorei o suficiente para saber o que é choro de felicidade.
Aos 27 já sei que ninguém é capaz de me fazer mais mal que eu a mim mesma.
Aos 27 já não sei mais dizer do que tenho medo, embora possa explicá-lo se o tiver.
Aos 27 já vivenciei algumas experiências extrassensoriais e inexplicáveis, e me convenço delas com um par de explicações mal-contadas.
Aos 27 já olho para minhas fotos quando bebê e não consigo ver nelas qualquer semelhança, algum traço em que eu me reconheça.
Aos 27 já coleciono um vasto álbum de figuras e não sei se colei cada uma em seu devido lugar...
Aos 27 olho e vejo que falta mais em mim hoje que ontem, e não é simplesmente porque o conhecimento amplie as possibilidades, mas talvez porque eu tenha menos tempo para aquilo que ainda nem se tornou possível.

Acho que todo mundo deveria ganhar um relógio cujo ponteiro dos segundos corra como cronômetro. Talvez depois dos 27.



2 Comentários:

Às 26/01/2008, 14:35, Blogger Gata Risonha disse...

Aaaaaaah que bom... que ótimo vc (virtualmente) de volta! Sua mochila num é pequena não... não mesmo!
Beijo.

 
Às 06/02/2008, 17:07, Blogger  disse...

tua volta me fez feliz, e teu texto continua batendo forte (especialmente pra quem acaba de virar os 27)

 

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