quinta-feira, novembro 30, 2006

Quilometragem Emocional

23 de fevereiro de 2005. Desabafo.
A Medicina me machuca porque sei que o que busco nela só
existe em mim.
Estou cansada. Perdendo peso. Acumulando sono. Minhas horas têm sido dos outros. A vida dos outros, meu objetivo de vida. Imagino que, o zelo com que tenho cercado as pessoas, tem faltado a mim mesma. E, por alguns momentos, penso que me abandonei em alguma enfermaria escura.
Eu, que um dia sonhei em fazer Medicina para entender a formação e o funcionamento do corpo humano, tenho sublimado minhas conhecidas necessidades fisiológicas básicas. Tenho fome, sono, sede, falta-me o ar. Porque a Medicina, ciumenta e possessiva, exige entrega, doação, renúncia, sacrifício.
No ambiente hospitalar, palco de meus dramas, minhas comédias e tragédias, meus suspenses e romances, nenhum dia é igual ao outro. Os personagens principais entrando e saindo de cena. Eu, nos bastidores, buscando reconhecimento. O reconhecimento de minha Humanidade.
Gostaria de saciar minha sede quando ela surgisse, de sentar quando as pernas cansassem, de chorar quando a vida doesse. Gostaria de ser paciente...
Trabalho em meio à urgência. A vida urge, ruge, num hospital. Vivo necessidades, medos, prioridades, deficiências, inseguranças, como qualquer um. Mas ninguém vê minhas feridas; ninguém ouve meu grito de dor. Embora vista uma "armadura branca", há um ser frágil do lado de dentro.
Sou uma sentinela de plantão. Sempre na vigília, na espera_esperança de que alguém possa precisar de minha atenção, minha ação, minha cumplicidade. E quando num olhar terno, um sincero agradecimento sai displicente e carinhoso ao meu encontro, sinto minha vida fazer sentido. É como se tudo valesse à pena por aquele segundo, que é quando a dor, a aflição e o medo passam, e a Medicina deixa de ser minha função e passa a ser meu Lar; onde moro, onde me conforto, onde me nutro, onde me protejo, onde cresço.

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