sexta-feira, agosto 24, 2007

Presente 3ever

Corre ao acordar cedo, já acorda correndo. Corre nos pensamentos, corre pelo atraso. De tanto correr deixa para trás alguns momentos, deixa para depois da correria. Mas não deixa de lado, apenas reservado para um momento prolongado de suspiros e calmaria. Cai no chuveiro com a consciência de que não será suficiente para acordar, o susto do dia claro já deixa claro o amanhecer de tantas coisas juntas, ilimitadas. Pergunta-se num ápice conciso se lhe causaria gosto o meu parecer. Neste caso recusa-se a adiar. Recusa-se a deixar de lado um momento que trará paz. Logo chega o intervalo, logo chega a partida. Na correria de todos os dias, sucessivamente a mesma coisa, numa rotina quase insuportável. A única certeza do gosto de chocolate, doce, suave, que derrete em sua boca é a vontade de compartilhar aqueles suspiros e calmarias, aqueles, de logo cedo. A noite vem como quem nada quer, terminando o dia daqueles que tudo fizeram e que muito deixou para amanhã, vencidos pelo cansaço e atraso. Senta num banco e neutraliza todos os retrôs de seu dia, suspira fundo, e embora saiba que nada acabou até deixar sua cabeça em seu travesseiro, até atravessar o túnel escuro do dia para a noite, sabe bem que, naquele dia, sentar no banco e apenas olhar faz falta. A gente olha as sombras dos prédios, sim também estava lá, e a gente olha as pessoas passando, gente atrasada, gente relaxada, gente que nunca viu a gente. Todos parecem correr demais, todos parecem ter pressa demais. Sei que também devemos. Embora saiba, ainda lhe parece importante apenas ficar ali sentada, apenas olhando. Talvez por um dia ruim, ou não. Talvez o dia estivesse muito bom. E logo senta um, que viu vida, com a cara triste de quem perdeu o sapato na esquina após levar um banho da poça que o ônibus passou. Senta singelo, quase nada fala além de "com licença", pede um cigarro e um isqueiro, nem sequer nunca fumou. Em seguida começa sua história de quem passou um bom bocado. Estava sentada ali, sem nada no pensamento, escutando o dia de quem nunca viu antes. O primeiro sai, agradece a atenção, e logo vem o segundo, por fim o mais interessante foi o terceiro. Com certeza já havia perdido a noção do tempo sentada ali, sentindo o cheiro de comida que vem de trás, barulho de carros, barulho de gente, tanta gente. O terceiro foi direto, sentou sem se preocupar se havia alguem ali, sentou com ar de cansado, de quem brigou com o chefe, xingou a namorada, mandou a mãe para aquele lugar agradável, ao qual ele mesmo queria estar. Manteve-se reto, sem olhar para o lado. Já esperava a reação do cigarro em seguida. Dito e feito: pode me ceder um cigarro? O banco que sentou não era qualquer um, fazia parte de uma comunidade cheia de gente corrida, atrasada, triste, feliz, neutros, fulanos, ciclanos, e acredite, até beltranos. Sentou no banco segunda, terça, e quem sabe na quarta-feira. O motivo é ilustre, essencial e notável para quem ali passa todos os dias, e diz oi sem ao menos conhecer. Apenas espero você passar por ali.


Texto escrito por Polyanna Prado.

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Mulher onde o azul tem todas as cores do entardecer.

sábado, agosto 18, 2007

Becos

Uma gota de pecado lhe escorria entre a testa e o juízo, e os fios de seus cabelos escuros pareciam ainda mais embaraçados. A persiana batia na janela como se ofendida pelo vento frio que lhe adentrava, mas aquele dia não tinha culpa do inverno ter chegado cedo demais naquele quarto.
Tivera um sonho estranho, e, embora estranho não fosse o melhor adjetivo para defini-lo, adiou pensar sobre. Alguns sonhos são simplesmente sonhos.
Só que a chave não estava na fechadura e tudo, de repente, parecia estar fora do lugar. Até as palavras.
Mas qualquer um poderia mudar sua cor favorita.
Qualquer um poderia se confundir com o troco do pão.
Qualquer um poderia chorar ao ver algum filme, ou ler algum livro.
Qualquer um poderia ser assaltado a dois quarteirões de casa.
Qualquer um poderia matar ou morrer por amor.

Qualquer um.
Até os que mentem.