quinta-feira, setembro 28, 2006

Suturas

Dias difíceis. Noites insones como se a vigília pudesse afastar todo o mal. Resquício de fé atenta ao relógio.
Não há como fugir do livre-arbítrio e, embora o amor decida por si, os corredores parecem sempre mais frios quando são meus passos que conduzem a mão do medo, e o branco parece mais branco quando manchado de vermelho materno. Conhecer por dentro é mais fácil quando não-literal.
Não há conhecimento que abale toda fé. Ainda no silêncio há voz. E foi na voz que se deu o silêncio confiável. Está tudo bem.

sábado, setembro 23, 2006

Elo

Estava ali na noite concentrada em coisas pessoais demais para adentrar no ofício embora a escrita teimasse em gotejar aquele conteúdo obscuro de si.


_Quem é você?
(despretensiosamente)


Nada que soubesse. Vi na forma algum mistério envolvente por ser nua o suficiente para se fazer invisível à percepção concreta. Talvez porque aquilo que me fosse mostrado fosse sentido em sua forma mais real e, portanto, mais palpável que o quê estava acostumada a tocar. Não, não era coisa diferente. Era coisa igual. Redescoberta... E pela primeira vez foi o igual que causou surpresa, foi o igual que causou comoção, foi o igual que gerou o encanto. Um intenso movimento interno em face de serenidade. Transparência bruta pela sinceridade crua e convicta, calejada na rudeza dos passos diários. Aqueles calos gritaram. Já não era somente uma condição casual. Foi um reencontro de um oposto único que pertencia ao equilíbrio distante do mutismo com a tagarelice, do surto com a lucidez, da mente com o corpo, da noite com o dia. Coisa que o tempo havia se ocupado de desequilibrar na tendência. Recuperado.

Intimidade foi algo ocasional. Não a esperava. Talvez por isso ela me invadiu sem a vigília da cautela. Apareceu sem o pudor das formalidades e, despindo-se, ofereceu-me confiança naquilo que sentia: que pessoas se aproximam pela igualdade das diferenças.

Espectro em minha tela de espelho... Faz-me olhar de fora a dentro com toda a liberdade crítica de meus pensamentos e toda a intensidade verídica de meus sentimentos, sem a ganância do suicídio psíquico solitário. Reconhecer e desconhecer em cada linha escrita ou omitida. Porque também me omito e me exponho de forma cíclica e não controlada. Variações humanas... Exercitar emoções e calos e falas. O elo. A troca. O entendimento.


quinta-feira, setembro 21, 2006

Herança

Cada calo herdado da vida traz consigo falas de muitos. Tanto falam mas poucas são as frases certas. Talvez por estas se perderem entre tantas conjunções, ou talvez porque a compreensão não necessite palavras.
Com o tempo percebi que aquilo dito no segundo que tudo estava a se perder pelo silêncio ou pelo erro era exatamente o básico, o fundamental desde o princípio, o sentimento cru despido de todo advérbio e comportando todo o sentido; inclusive dando este. Essencialmente o grito que impede o passo seguinte do distanciamento em progresso.
A cinza das horas trouxe novo colorido com o avançar dos ponteiros. Diálogo de gafanhotos como herança entre outras espécies. Já outro ser vestindo a mesma pele antiga, e nesta uma tatuagem com mais contornos, refeitos por finas unhas pretas.
Na bagagem o básico. Porque, às vezes, recuar é progredir.

domingo, setembro 17, 2006

Estações

A vida segue porque os caminhos não param. Desnecessário correr porque tudo segue um tempo, um curso, um rumo. Olhar para frente pode ser o mais assustador e o mais leve por ser desconhecido o próximo chão, e desconhecer é a chave para os passos curtos.

As trilhas que abri não foram em busca de respostas. São as perguntas que geram outras tantas e atingem pontos que são estações sucessivas. Partidas, chegadas, encontros, reencontros e despedidas. Pode sempre haver uma palavra ou carta deixada em cada uma dessas estações, mas o que fica mesmo é a sensação de ter por ali passado, guardada numa retina andarilha em lado esquerdo.

A vida segue porque os caminhos não param. E nem são os caminhos que tanto importam. Cada um segue o seu. São os rumos que dão rumo. São os encontros que mudam estes.

Andar é deixar-se levar. Amar é deixar-se andar. Expor-se ao tempo, ao clima. Permitir-se estações porque a vida é cíclica. Ela vai e nos leva com ela, e nos traz de volta ao mesmo ponto que nunca é o mesmo, porque as retinas registram sensações mutáveis e se transformam à medida que fotografam.

A vida segue porque os caminhos não param. O mundo é um caminho único em que pessoas se encontram e se moram. Casa daqueles que não têm casa porque vivem em outras tantas. Só quem pára às vezes sou eu pelo respeito a outros rumos que seguem cruzando o meu. Só quem cala às vezes sou eu pela entorpecida personalidade do confiar nas retinas do desconhecido.

Não há meu rumo certo. Há meu rumo certeiro. Este é aquele que não pára ainda que eu pare, porque perpetua em outros rumos que não o meu. Como numa estação que acolhe e protege e deixa ir. A vida segue.





[Velho texto ainda atual. Sempre há caminhos.]

quarta-feira, setembro 06, 2006

As Horas

Saca quando uma verdade, por mais Verdade que seja, quando dita com atraso perde toda sua credibilidade, como se o tempo a tivesse moldado e não os fatos?



Quando ocorre um tsunami na vida da gente, podemos escolher, numa fração de segundo, quem a gente arrasta conosco e quem deixamos à salvo.
Ter mantido tantos à salvo foi um penoso erro. O acerto deixou de ser verdade.